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Quais os comportamentos dos adultos que podem indicar traumas de infância?

 

Atualmente, o estudo das consequências emocionais e físicas do trauma infantil tem se propagado exponencialmente, mas o assunto não é novidade para os cientistas. Sabemos que qualquer tipo de privação ativa o instinto (ou modo) de sobrevivência no organismo, revertendo toda a estrutura para suportar o período difícil e evitar a morte. 

Em paralelo, a definição de trauma também se expandiu, onde tranquilamente podemos afirmar que este acontece quando a situação é tão intensa negativamente, que ultrapassa o limite da mente para suportar tal evento. Então há uma adequação interna para tentar lidar com tal situação. Como sinalizador de perigo iminente do nosso organismo, temos o stress, que surge a cada vez que algum perigo (real ou imaginário) se apresenta. Podemos também dizer que o stress é uma resposta imediata, que coloca o organismo sob um estado de alerta, onde há pico de cortisol e então entramos no esquema de segurança chamado de fight, flight or freeze (lutar, correr ou congelar). Caso esse pico de cortisol aconteça e seja liberado em 30 segundos, nenhum mal é causado no organismo; porém, com o stress prolongado, este passa a ser tóxico e traz consequências muito sérias para a saúde física e mental. Pressão alta, problemas cardiovasculares, tensão muscular, problemas de circulação, dores de cabeça, ansiedade, depressão, ataques de pânico e até psicose são exemplos de manifestações que podem ocorrer por conta do stress prolongado.

Voltando ao sistema de segurança (fight, flight or freeze), para exemplificar melhor e ao mesmo tempo fazer um link com a situação do trauma infantil, podemos pensar em uma pessoa diante de um animal que representa muito perigo: um leão. Ao se deparar com o animal, o nosso corpo se preparará para correr, lutar ou congelar (não ter reação). Essa resposta pode ser diferente para cada pessoa. Logo após o animal partir, o organismo retornará ao normal, pois não sentirá mais o perigo iminente quando o animal se for. A adrenalina e a descarga de cortisol se dissolverão, fazendo com que tudo volte ao normal (nesse momento eu imagino que você leitor não tentará lutar com o animal). 

No trauma infantil, na maioria das vezes esse stress acontece diariamente, podendo se arrastar da infância até tarde na linha de desenvolvimento. Imaginem que no lugar do leão do exemplo acima, temos cuidadores dessa criança, que vão provocar os mesmos sentimentos por serem narcisistas, abusadores, violentos ou negligentes. Como estes convivem com a criança, o sistema fight, flight or freeze (lutar, congelar ou ficar imóvel) ficará ativado constantemente nela, pois haverá sempre o medo quando estes chegarem em casa, onde ela imaginará quais ações negativas serão as próximas, alinhados ao sentimento de impotência perante o adulto. A mensagem introjetada pela criança será: “Não posso confiar nos adultos”. A partir daí, o comportamento da criança começa a sofrer alteração: ou fica quieta, tímida ou se comporta de maneira agressiva, resultando em dificuldade de socialização, carregará a sensação de que ninguém gosta dela e que ela não é digna de amor, sentimentos ficarão emaranhados, trazendo dificuldade extrema de identificar o que sente, baixa autoestima, distorção da imagem corporal por acreditar ter mais defeitos que qualidades, e muitos outros. Com isso, ocorre toda uma “adequação ao negativo”, e essa mente ficará condicionada a esses padrões adquiridos muito cedo na vida, fazendo com que a criança, adolescente ou adulto continue condicionado à manutenção do comportamento disfuncional. Não podemos nos esquecer também dos eventos que por si sós são traumatizantes: morte de alguém da família, divórcio, abuso sexual, mudança brusca de rotina, adoção (ser retirado dos pais ou ter que se adaptar em um lar novo), períodos prolongados em internação hospitalar por doença. A lista é muito extensa, porém os resultados não fugirão muito do que já foi dito. 

No adulto, observamos mais frequentemente:

Baixa autoestima: dificuldade em se sentir confiante, atraente ou digno de merecer algo bom. Se sentirá inseguro no meio social, terá a percepção de que estão sempre o depreciando pelas costas e se torna hiper vigilante: observa a todos o tempo todo em busca de um sinal de aprovação das suas ações. Preocupação excessiva com a opinião alheia, pois precisa de alguém que o valide para se sentir melhor. Se torna dependente da opinião alheia.

Pouca tolerância à frustração: O adulto idealiza um mundo onde tudo acontece de acordo com o que aprendeu ou de alguma maneira que o favoreça. Como é muito sensível por não ter a clareza emocional necessária, verá a frustração como um sentimento muito desafiador e depreciativo. Então algo que saia diferente dos planos antes traçados, o adulto não conseguirá lidar, pois a frustração aparecerá em formato de raiva (pessoas deixam de falar umas com as outras, pois esse adulto evita qualquer confronto, em busca da satisfação de suas necessidades infantis).

Dificuldade em dizer não: Esse adulto tenderá a satisfazer as pessoas ao redor, pois necessita da validação delas. Acredita que, a única maneira dos outros gostarem dela, é satisfazendo as necessidades do outro. Com isso, a frustração aumenta pela dificuldade em satisfazer as próprias necessidades.  

Dificuldade em confiar nas pessoas: Como os primeiros relacionamentos com os cuidadores não foram satisfatórios e se tornaram altamente ameaçadores, a mensagem introjetada foi de que adultos não são confiáveis, e que eles sempre vão trazer sofrimento

Tendência para relacionamentos disfuncionais: O disfuncional, caótico, não claro, sem regras, será muito tentador, pois é familiar (considerando a história do trauma). Esse adulto não conseguirá se libertar facilmente de pessoas ou até empresas narcisistas, pois estas fazem com que este se veja trancafiado novamente na mesma situação. Em relacionamentos afetivos, pode se ter a idéia de que relacionamentos são assim mesmo, por simplesmente ter convivido com relações turbulentas. 

Dependência emocional: nesse emaranhado de se fundir as necessidades do outro, esse adulto ficará preso a pessoas e situações que ele julga serem primordiais para sua existência. Qualquer sentimento de perda pode ser encarado com o fim do mundo, onde a dificuldade em viver de maneira mais autônoma fica mais evidente. Pode se tornar dependente de amigos, parceiros, família ou trabalho.

 Dificuldade de interação social: seu desenvolvimento não foi baseado em crescimento pessoal através da interação com outras pessoas, esse adulto pode ter se trancafiado nos seus pensamentos e conceitos, fazendo com que este se sinta rígido e inflexível a novas idéias. A baixa autoestima também limita a pessoa de explorar ambientes, interagir com pessoas e aprender com o meio. 

Autossabotagem: Sempre que estiver próximo de realizar algo que quer muito, o adulto pode cometer alguns deslizes intencionais, que sempre o levarão de volta ao mesmo lugar. Isso ocorre porque, inconscientemente, é o lugar que a pessoa pensa que merece estar. É a maior barreira para a evolução.

Sensibilidade às críticas: Como esse adulto já foi muito criticado, os questionamentos atuais não serão vistos como um caminho para o crescimento e sempre serão vistos como desaprovação, resultando em comportamento reativo (irritação, raiva).

Quando essas características não são trabalhadas, o adulto pode tentar ressignificar essa infância de diversas maneiras, ao passo que o trauma infantil fica gravado no íntimo de cada pessoa. Então, mesmo a pessoa mais bem sucedida do mundo pode esconder uma criança assustada e se comportar como tal; assim como o corpo atlético de hoje pode abrigar uma criança que sofreu bullying por sua forma física anteriormente. Os usuários de drogas ou de quaisquer outros vícios podem esconder feridas dolorosas da infância, resultantes da falta de acolhimento e amor. Parece que todas essas ações são uma tentativa de amenizar a dor emocional que estes carregam. 

A boa notícia é que é possível se tornar consciente de suas tendências e controlá-las, mesmo sabendo que elas nunca irão embora. Os eventos negativos da infância devem ser incorporados na história de cada pessoa, pois há muito de positivo para se tirar dessas situações também. Imaginem o tamanho da resiliência de quem sobreviveu a tudo isso que foi descrito acima? Gosto muito de analisar as situações por esse ângulo. A dor pode também esconder a cura. Isso fica mais claro quando explorado em um ambiente seguro e confidencial, como na psicoterapia. Na intervenção, buscamos auxiliar cada pessoa para um processo de liberdade, onde essas dores primárias não mais determinem o comportamento do adulto.

Dedicarei um outro artigo ao tratamento.

Um abraço

 

Marcos Ribeiro

 

 

 

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